Niède Guidon, arqueóloga franco-brasileira nascida em Jaú (SP), em 1933, foi uma das mais importantes cientistas do Brasil. Responsável por transformar o sertão do Piauí em um dos centros arqueológicos mais relevantes do mundo, ela dedicou mais de meio século à preservação da história dos primeiros povos das Américas — até sua morte, aos 92 anos, em 2025.
Da ciência à paixão pelo sertão
Formada em História Natural pela Universidade de São Paulo (USP), Niède seguiu para a França, onde se especializou em arqueologia na prestigiada Universidade de Sorbonne. Durante os anos de ditadura militar no Brasil, exilou-se no país europeu, mas jamais abandonou seu sonho: estudar as origens do povoamento americano, a partir dos sítios pré-históricos no semiárido nordestino.
Seu retorno ao Brasil, nos anos 1970, foi marcado por uma revolução científica. Na região de São Raimundo Nonato, no sul do Piauí, liderou escavações que revelaram mais de 1.200 sítios arqueológicos, com pinturas rupestres e vestígios de ocupação humana datados de até 50 mil anos — muito antes do que a teoria dominante à época permitia imaginar.
Serra da Capivara: sua maior obra
Com base em suas descobertas, Niède Guidon foi fundamental para a criação do Parque Nacional da Serra da Capivara, em 1979. Em 1991, o local foi reconhecido como Patrimônio Cultural da Humanidade pela UNESCO. Além de sua riqueza científica, o parque é hoje um símbolo de conservação ambiental, desenvolvimento sustentável e valorização cultural do interior nordestino.
Ali, ela fundou também a FUMDHAM (Fundação Museu do Homem Americano), responsável por ações educativas, sociais e de preservação do patrimônio histórico da região. Graças a seu empenho, comunidades locais foram integradas à ciência, ganhando acesso à educação e ao emprego qualificado, em iniciativas como oficinas de cerâmica, capacitação de guias turísticos e escolas de formação técnica.
Uma cientista que mudou paradigmas
Niède ficou internacionalmente conhecida por desafiar o chamado "paradigma Clovis", que afirmava que os primeiros humanos chegaram às Américas há cerca de 13 mil anos. Com base em evidências encontradas na Serra da Capivara, como ferramentas e fogueiras milenares, ela defendeu que o povoamento teria ocorrido há pelo menos 30 mil anos — ou até mais. Sua teoria foi recebida com ceticismo, mas hoje encontra apoio crescente entre cientistas de todo o mundo.
Reconhecimento e legado
Ao longo da vida, Niède recebeu diversas homenagens, incluindo a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico, a Légion d'Honneur do governo francês e o Prêmio Príncipe Claus, da Holanda. Em 2024, foi homenageada como Professora Honoris Causa pela Universidade Federal do Piauí (UFPI), reconhecimento simbólico da importância de sua atuação.
Faleceu em junho de 2025, em São Raimundo Nonato, cidade que ela ajudou a colocar no mapa mundial da arqueologia. Deixou um legado incomparável para a ciência, para o Brasil e para a humanidade.
"O que está nas rochas da Serra da Capivara não é só arte: é a memória da nossa origem."
— Niède Guidon